domingo, 17 de maio de 2009

O que é que as turcas têm...



Mas o que é que as turcas têm de diferente, além de uma das mais belas capitais do mundo, Istambul (um dos meus dourados sonhos de consumo turístico)? Não, não fui até lá, ainda, mas graças ao cinema (outro filme que vale muito a pena e falando de comida de novo, e de cena de dança de novo: O tempero da vida, 2003) é que pude ter uma ideia, e confirmar o que já tinha visto em fotos: o lugar é mesmo encantador.

Para introduzir o tema, vou narrar um lancinho que aconteceu comigo. No final do ano passado teve festa na classe (como boa aluninha que sou, depois de apresentações em teatros, é nessas festinhas na escola que mais gosto de dançar, porque me faz sentir como numa daquelas gravuras antigas orientalistas, que retratavam bailarinas dançando para um pequenino círculo de pessoas). Bom, daí preparei uma coreo com uma música baladi moderninha, da Nanci Ajram, com uma batida puxada para o disco latino, com um quezinho de brega. Contrariando os meus gostos por músicas classudas, românticas, dramáticas, etc., achei divertido fazer uma coisa diferente. Houve elogios das amigas no final e as pessoas sorriam e pareciam estar se divertindo. Ótimo, que esse era um dos objetivos e tudo caminhava bem até que em dado momento do negócio fui fazer uma graça pra alguém e perdi a entrada de uma batidinha, daí tive de improvisar toda aquela parte, e veio uma frase de impacto que eu não previra em improviso, só na coreo montada. Não havia nenhuma parte do corpo adequada naquela emenda, exceto a cabeça. O meu instinto foi usar o jazz amigo porque juro não conhecer movimento de cabeça na DV adequado para aquela situação. Que violência! Parecia haver baixado uma turca em mim. Pude notar a expressão de desaprovação instantânea nos semblantes de algumas colegas e até da prof eu diria, mas fui amenizando quando voltei ao modo egípcio-brasileiro de ser, que afinal esse é o estilo da DV que aprendemos: somos mocinhas cativantes, porém delicadas, bem-comportadas (item sujeito a controvérsias, rsrsrs), finas e sabemos muito bem o que estamos fazendo, porque os movimentos menores exigem mais técnica e por isso não precisamos barbarizar o público com uma apresentação retumbante e espalhafatosa, ok? Outras escolas em São Paulo têm muita influência das libanesas, um tanto mais espetaculosas, mas é um estilo, enfim, e deve ser respeitado e dançado... por lá mesmo, nas outras escolas e demais ambientes em que tenha boa receptividade.

Quando acabou, pensei: eu parecia uma turquinha maluquete dançando, não fiquei satisfeita e me senti culpada até. Mas por que é que se fala assim das turcas e também de algumas libanesas? E por que tinha de me sentir culpada por parecer “uma turca dançando”? Tudo bem que já tinha assistido a uns vídeos de bailarinas turcas, que pareciam estar fazendo assim uma espécie de apresentação de ginástica artística, com espacates impactantes, movimentos de braços e tronco brutos e repetitivos pontuados aqui e ali por um shimie ou ondulações tipo iogues, um medo total, fora o figurino, que deixava muito a desejar, quer dizer, literalmente deixava muito corpo exposto a ser desejado. Não que haja nada de errado com um corpo exposto, em balé moderno se dança até de lingerie e ninguém liga, já vi bailarinos dançando nus. Só que essa nudez se encaixava no contexto da obra (no entanto, lembro que apesar do excelente nível e profissionalismo dos bailarinos, o espetáculo em si foi uma chatice). Voltando à DV, a dança das turcas que vi não se parecia em nada com a dança do ventre que conhecia até então. Daí fui pesquisar na net sobre essas bailarinas e descobri um texto bem informativo sobre as bailarinas turcas no site da Lulu Sabongi, que traduziu textos de pesquisadores sobre o tema (livro A dança do ventre oriental, escrito por Kemal Ozdemir); e também pelo Arabesc. O público de lá espera isso delas, tanto no que diz respeito ao figurino quanto à dança. Para eles esse é o normal, embora A DV não seja vista com bons olhos pela própria cultura local na Turquia, e só algumas poucas bailarinas é que têm destaque e são respeitadas. Um exemplo desse estilo de figurino é a Princesa Banu, na foto a seguir, uma bailarina de sucesso nos anos 80, que era uma intérprete do estilo clássico egípcio, com influências turcas.




No meio da pesquisa tive uma surpresa ao descobrir por meio do Arabesc, com vídeos disponibilizados no Youtube, outra bailarina turca que fez sucesso nos anos 70 e 80, a Nesrin Topkapi, com um estilo suave e totalmente diferente de dançar das suas compatriotas. Segue uma gravação de programa de TV em sua homenagem, quando já aposentada da dança, fez uma derradeira apresentação. A música é linda e a interpretação emocionante. Que leveza e maestria com os véus sem precisar girar à velocidade da luz.

Nesrin Topkapi

Daí me encantei mais ainda quando vi outra gravação da Nesrin mais jovem e graciosa, com um figurino e cabelos estilosos, sem deixar o corpo todo à mostra. Nem precisava, porque a mulher já era um escândalo de sensualidade mesmo bem vestida. Mas... em dado momento ela realiza um movimento de contorcionista com os braços, que afinal algum padrão esperado das bailarinas turcas ela tinha de ter.

Nesrin Topkapi jovem http://www.youtube.com/watch?v=X8s2OT5D4w8

Agora, um exemplo da bailarina turca propriamente dita, conforme dança e figurino, Sibel Baris, com grande destaque na Turquia atualmente. Cada um tire as próprias conclusões, rsrsrs...

Sibel Baris http://www.youtube.com/watch?v=tDuSO2_FjNk

Mas por que as turquices alheias me incomodam tanto? Por um lado, se na escola que a gente aprende ensinam que o jeito egípcio de dançar é que é o must já é um bom motivo, não é? Por outro, não seria algo assim como uma espécie de “quem desdenha quer comprar”? Será que critico os malabarismos e contorcionismos justamente porque não conseguiria fazê-los? Até já fiz aulas de trapézio em circo, porém não tenho uma superflexibilidade como gostaria, a minha sempre foi apenas razoável. Que o bailarino é antes de tudo um atleta está ok, mas terá de ser também um ginasta? Na expectativa do público da Turquia parece que sim. Pra mim estaria tudo bem com isso, desde que houvesse algum tipo de emoção envolvida. Da minha parte prefiro o bailarino que seja também um ator, que expresse algo além da mecânica de um movimento. Qual é a intenção de uma apresentação de dança? As possibilidades são inúmeras: alegrar, divertir, contar uma história, apresentar folclore de um povo diferente, fazer o público viajar a um lugar para o qual nunca foi, apresentar uma personagem, seduzir, comover, encantar, o que for, mas não me interessa muito como espectadora a intenção seguinte “olha só o que consigo fazer com meu corpo, consigo segurar o pé de costas e deitada, de ponta-cabeça”, etc. Por exemplo, não me animo com a dança da Didem, uma superstar atual da Turquia, ela é fofa, lindinha e tudo, mas não me dá vontade de assistir até o final da apresentação dela, porque parece muito precisa, impecável demais, a técnica acima de todas as coisa, etc.
No entanto, é lógico que há que se respeitar as culturas e as expectativas dos diferentes públicos de dança.
Quando me pego criticando algo que o outro faz sempre me pergunto se eu conseguiria fazer algo parecido ou melhor. Se a resposta for “consigo, mas não gosto e não quero fazer assim, não me agrada, etc.”, daí vejo que está tudo ok. Se a resposta for negativa, trato de tentar entender se a crítica procede, me pôr no meu devido lugar, mas pensando bem pode ainda haver a opção "Mesmo se pudesse fazer não faria assim." E vcs, hein?

4 comentários:

  1. Vera, fiquei feliz demais em ver uma boa dança turca. O que vemos, em geral, é desanimador.
    Valeu!

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  2. Olá Vera!
    Fico feliz em saber que mais pessoas no Brasil estão finalmente interessadas em estudar e divulgar a dança das bailarinas turcas,
    confesso que, assim como vc, descobri a qualidade das antigas
    bailarinas com a minha amiga Lívia Jacob do Arabesc,
    hoje trabalhamos juntas e com a participação dos membros no
    grupos Raks Sharki do multiply.
    http://rakssharki.multiply.com
    Gostaria de convidá-la para uma visita.
    Talvez vc descubra algumas coisas ali que lhe interesse.
    Parabéns por ter citado as suas fontes. ética é algo raro infelizmente,
    mas digno de reconhecimento .
    Um abraço.
    Malikat!

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  3. Roberta:
    que bom vê-la por aqui. Que saudades de quando dos tempos do palavraedança, quando a gente tinha mais tempo para "se comentar"! Beijos!

    Malikat:
    Que legal que há mais pessoas interessadas no tema! Acho o Arabesc fantástico. A Lívia tem um fôlegoadmirável para a pesquisa. Assim que puder irei conhecer o seu multiply.
    Quanto a citar as fontes, esse é um item básico para quem se propõe a escrever sobre qualquer assunto. Não saberia fazer de outra forma. Beijos!

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  4. Oi, Vera.

    Agradeço por ter citado o Arabesc e também pelo carinho com o trabalho de buscas. Como sempre digo - não há nada melhor para um pesquisador do que ver seu trabalho sendo reconhecido e principalmente saber que as investigações foram úteis à comunidade. Sem isso, nada teria o menor sentido!
    Quando fiz essa pesquisa, descobri uma série de dançarinas turcas e compartilhei o que achei com Raks Sharki do multiply. A Malikat (owner dessa com) e outras meninas também apresentaram contribuições. De todo modo, estou subindo em meu site parte desses resultados em uma série de vídeos que intitulei de DANÇARINAS TURCAS.
    Fique à vontade. Espero que seja útil para a sua busca.

    Um abraço carinhoso,

    Livia.

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