terça-feira, 1 de junho de 2010

Como seria a sua dança se...



Como seria a sua dança se você fosse pra galera quase todos os dias? Sim, digo com isso dançar quase todos os dias com escalas em fins de semana e feriados, faça frio, com chuva ou calor.
Então pense naquela dança que vc preparou e escolheu a música com cuidado, estudou e preparou a coreo e teve dias e até semanas para escolher entre uma ou outra que já tinha preparado há tempos, pra dançar sazonalmente, num chazinho na escola aqui, num bazar beneficente ali, num espetáculo de final de ano num teatro, ou num aniversário familiar ou outro evento para o qual foi convidada por amigos. Pense na possibilidade de não poder repeti-la na semana seguinte no mesmo lugar, porque o público é assíduo e vai ver vc com a mesma roupa e a mesma música e a mesma coreo. É claro que vc poderá repeti-la... quando for dançar em outro lugar em que estiver na escala.
Estou falando obviamente das bailarinas profissionais que fazem dos shows e aulas o seu principal meio de vida, e não de bailarinas ou, segundo o sindicato, de dançarinas (caso no qual me enquadro) que têm outro trabalho como sustento principal e não dependem dos shows para pagar as contas. Não falo também de casos em que a pessoa tem os pais, o marido, ou namorado que as apóiam ou bancam integralmente. Falo é daquelas que se sustentam e têm outros a quem sustentar com a dança.
É claro que é uma escolha que requer coragem, porque viver de arte por aqui não é tarefa fácil. Além de ser uma "arte", como muitos falam, trata-se de um trabalho, como outro qualquer. Vamos ver se não é? A gente faz curso de soumbóti e aprende que uma das origens da DV está nas gawazee, ou nas ouled nails, que ficavam nas feiras abertas dançando, cantando, tocando snujs, muitas com os seios de fora, e sabe-se lá o que mais, dependendo do lugar, em troca de algumas moedas para comprar comida. OK, como é que a gente analisaria essas mulheres? Como poderíamos julgá-las, quer esteticamente, quer do ponto de vista artístico, quer do ponto de vista moral? É claro que a gente vê a iconografia e acha tudo lindo e idealizado, porque afinal de contas elas já estão no passado, mortinhas e enterradas, não é mesmo? Que bom pra elas, porque assim não correm o risco de encontrar suas imagens por aí expostas à falação alheia.
Tudo bem que é um risco que se corre. Quem está presente em qualquer tipo de mídia está sujeito análises e críticas diversas. Aí neguinho vai, pega um recorte do seu trabalho em 1900 e lá vai bolinha, quando desde a roupa até a coreo vc queria eliminar da face da terra, e "analisa a sua performance sob numerosos e profundos pontos de vista". E é claro que aquilo não corresponde mais ao seu trabalho atual, mas como pode o crítico saber se ele nunca te viu ao vivo, e se ele mora lá em Piraporinha da Serra e vc aqui na Barra Funda, né mesm? Mas o mais curioso, por algum inexplicável fenômeno artístico, as bailarinas de Piraporinha (ou localidade X em que residem os críticos) são todas uns primores, e só merecem sarrafo as que residem em Barra Funda, Brás, Bexiga, Cairo... lugares longínquos, enfim. Mas o que importa é criticar bem para criticar sempre. Depois, é tão bacana ser malvadinho, né? Pelo menos na 8a. série a gente pensava assim...
Mas o que me espanta é a falta de bom senso que gente do meio tem ao criticar. Gente, isso é uma coisa que eu jamais de ma vie faria: "Sabe, a fulana lá de Goiás, do Recife, ou do Paraná? Que horror, como dança mal, né?" E a tal fulana, que nem sabe da existência de quem falou dela, continua levando a sua vidinha de sempre, com os shows nacionais, e internacionais diga-se de passagem, as aulas, os works, a beleza dela, o charme dela (coisas que independem de biotipo, a pessoa pode ser gorda, magra, ou gostosa, ou mais ou menos e ter tudo isso, portanto não vale usar seu biotipo para descontar nos outros os próprios recalques), enfim, tudo o que o Mercado atual exige e a pessoa que criticou não teve nem nunca terá. Não porque não possa fazê-lo, mas porque não se empenha nisso o suficiente, e porque esse não é o seu TRABALHO, e no fundo tem inveja de quem o faz. Fica tão claro! A pessoa criticada pode até quem sabe ser sua companheira de lado num work internacional qualquer da vida. Esse mundo é tao pequeno!
Gente, se pra afogar minhas mágoas de achar que não tenho o perfil, nem o biotipo, nem o profissionalismo, nem a técnica de mil e poucas pessoas, teria desistido de dançar há muito. Adianta eu ficar falando mal de tudo quanto não me agrada por aí só porque o outro não é o meu espelho ou porque não compreendo as razões do trabalho alheio, por desconhecimento, imaturidade ou sei lá por que mais?
Tenho em mente que tomei essa opção há muito tempo, a de não ir pra galera geral. Poderia muito bem tê-lo feito, mas tomei outro rumo, e ninguém tem culpa pelo fato de eu não estar sob holofotes sete dias da semana.
Eu ou você, que temos um trabalho em que o fazemos sentadinhas, em escritório, em casa, ou nas firmas da vida, podemos até trabalhar em condições adversas, por mais que saiamos a campo vez ou outra, levantemos da mesa vez ou outra, trata-se de desk job. Podemos também tomar nosso analgésico e dar um tombadinha na mesa, que receberemos até olhares caridosos dos colegas. "Tadinha, não está bem".
Há bares que suspendem por tempo indeterminado a bailarina se ela precisar faltar e não arrumar uma substituta. Pois então elas têm de dançar com cólicas mesmo senão quiserem perder o emprego. Claro que ninguém quer saber dos bastidores, a gente quer mais é que os artistas brilhem, não é mesmo? Se a gente parar de olhar nosso umbiguinho e mirar com realismo esse trabalho não vai ter coragem de sair por aí malhando os outros, não vai mesmo. É fácil falar mal quando não se tem a manha de encarar esse batente, o da "arte" full time.

Por isso esse texto é uma homenagem pras minas que vão pra galera de segunda a domingo. Em bares, danceterias, casas noturnas, feiras livres, de promoções, em teatros, cafés, com garçons andando em torno, gente jantando, gente apreciando, aplaudindo, nem ligando, se divertindo, sonhando, curtindo...
E até mesmo para aqueles de quem eu não curta tanto assim o trabalho por variados motivos. Esses também merecem todo o meu respeito.

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